O golpe de Estado em curso no Brasil tem natureza de ofensiva burguesa contra a classe trabalhadora. Este é seu sentido histórico geral. A ofensiva vem ocorrendo igual e intensamente no cenário latino-americano e mundial, aproveitando-se a burguesia de circunstâncias desfavoráveis ao processo de acumulação de capital decorrentes da crise estrutural para derrubar conquistas históricas dos trabalhadores.
Neste marco, destaca-se o assim denominado “ajuste fiscal”, tão propalado pelo Governo Temer, contando com caixa de ressonância da mídia hegemônica. Não se trata de um mero “ajuste” de curso, mas sim de uma contrarreforma de caráter estrutural em meio àquela ofensiva – posto que diz respeito a alteração na Constituição Federal de 1988 –, através da qual são frontal e agudamente atacados direitos dos trabalhadores brasileiros, reduzindo-se, drasticamente, e até se criminalizando o gasto público. No bojo do “ajuste”, estão encaminhadas proposições diversas que se orientam a beneficiar e a facilitar processos de privatização – venda de ativos e concessões – e a conter, em horizonte largo de vinte anos, os ganhos dos trabalhadores, seja pela limitação direta do salário mínimo, ou pela via indireta de tornar as correções de renda real inviáveis. Amplia-se a superexploração da força de trabalho e a abertura ao capital internacional; incrementam-se os lucros em geral; e aprofunda-se o embate pela apropriação de valor por intermédio da exploração dos recursos naturais mediante privatização propiciada pela alteração dos marcos regulatórios.
É bem verdade que tal contrarreforma já estava em curso no governo deposto, ancorado numa coalizão diversificada de partidos políticos, inclusive com a presença de alguns dos mesmos personagens, como o atual ministro da fazenda, Henrique Meirelles. As evidências são as propostas de reforma da previdência e os compromissos assumidos durante o processo eleitoral de 2002, primeira eleição de Lula.

O desdobramento da crise estrutural e seu impacto sobre a América Latina acelerou a ofensiva burguesa interna em vários países da região na medida em que o esgotamento da alta do preço das commodities exportadas põe em xeque a sustentação de distintos pactos de conciliação de classes. No Brasil, pela importância relativa e escala da produção de commodities, sobretudo as reservas do Pré-sal, esse componente é mais forte e decisivo.

Esse quadro geral não é distintivo de outras situações históricas, na medida em que a solução conjuntural das crises capitalistas aponta sempre para maior exploração da classe trabalhadora. O que há de específico tem que ver com a importância que o Estado vem apresentando na resolução da crise, atuando agressivamente seja na transferência de recursos do fundo público, seja na privatização de ativos e serviços para atenuar os efeitos da crise sobre o capital. A atuação configura espoliação, intensificando a exploração dos trabalhadores, que são obrigados a sustentar maior carga de impostos e serviços sociais, forçando-os a formas cada vez mais precarizadas e intensificadas de trabalho.
Mesmo aprofundando o ritmo e o conteúdo das alianças e concessões à burguesia interna e internacional – e também porque as aprofundou, sob a ilusão de que as mesmas o sustentariam –, o governo do Partido dos Trabalhadores caiu. Foi abandonado pela própria burguesia com a qual havia buscado se aliar, ademais de ter-se afastado de sua base genuína, que são os sindicatos, os movimentos sociais, e uma parcela expressiva de marginalizados.
Apesar das referidas alianças, a deposição do governo Dilma Rousseff representa derrota para a classe trabalhadora e aprofundamento da ofensiva burguesa, com expressivo impacto sobre a velocidade e força desta ofensiva sobre o conjunto da América Latina, em especial sobre Cuba, Venezuela e Bolívia. Os ataques à capacidade de gasto público e aos direitos trabalhistas que se aprofundam no Brasil são tão impactantes que exigirão décadas de lutas para serem revertidos, assim como os efeitos da modificação dos marcos regulatórios para a exploração de recursos naturais e para a privatização de empresas estatais.

Imposição histórica da resistência popular

O golpe no Brasil não é um processo isolado. E não apenas pela semelhança com os golpes em Honduras e Paraguai. É uma ação de classe coordenada por interesses convergentes e enraizados em diferentes países, suportada, em algum grau, pela estrutura de instituições que estão a serviço do capital. O cerco que se observa na América Latina tem que ver com o avanço de governos progressistas, numa região efervescente pela desigualdade e superexploração. Há clara evidência de participação direta e indireta dos interesses imperialistas estadunidenses.

O desgaste persistente e gradual da social-democracia europeia nos últimos vinte anos abriu espaço político para expurgo de qualquer dissidência ao modelo padrão internacional, que não seja nas regiões de conflito aberto do Oriente Médio e África. Não por outra razão, Cuba está pressionada a abrir seus muros para a entrada livre de capitais. Este seria o último guardião de contestação da ordem.

A SEPLA avalia ser imprescindível uma reação articulada dos trabalhadores na região e se soma à resistência dos movimentos sociais brasileiros ao virulento ataque, colocando-se contrária a qualquer imposição de reformas que venham a agredir os insuficientes direitos sociais conquistados pelos trabalhadores brasileiros. Não haverá mudança sem luta!

Nuestra América, 7 de dezembro de 2016

2016-12-07 – Declaração Acerca do Golpe de Estado no Brasil (em pdf)

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